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quinta-feira

Entrevista com Satish Kumar

Satish Kumar, uma personalidade única e uma das pessoas mais fantásticas que eu tive a oportunidade de conhecer. Satish exala amor, gratidão e acolhimento com um simples olhar.  O jornal "O Estado de São Paulo" publicou no domingo, 14 de agosto de 2011, uma versão editada da entrevista com Satish. Aqui você terá o privilégio de ler a entrevista na íntegra.

Satish Kumar
Um dos mais influentes pensadores em ecologia, economia e sustentabilidade da atualidade e um dos fundadores do movimento “Deep Ecology” – Ecologia Profunda em livre tradução – Satish Kumar esteve no Brasil para falar a executivos e líderes dos setores público e privado no Strategy Execution Summit 2011, em São Paulo. Maria Auxiliadora Moraes Amiden, Diretora de Educação da Symnetics e que está organizando este evento falou com Satish sobre sua filosofia de vida, que está baseada na ética, reverência pela natureza e em valores espirituais, o futuro dos empregos e quais os desafios atuais para o Brasil.

Um de seus principais livros se chama “Earth Pilgrim”. Por que você descreve a si mesmo como um “peregrino na Terra”?
Nós podemos viver na Terra como turistas, esperando por gratificações, conforto e prazeres pessoais, ou podemos viver como peregrinos, respeitando, compartilhando e celebrando a beleza e abundância que existe ao nosso redor e obtendo somente o que for necessário para a nossa necessidade, sem acúmulo ou desperdício. Um peregrino vive de forma leve enquanto um turista deixa marcas por onde passa. Eu acredito que todo ser humano precisa desenvolver uma nova atitude em relação à Terra e estabelecer uma nova relação com ela. Esta nova relação deve ser de um peregrino e não de um turista.

Como um dos líderes fundadores do movimento Deep Ecology, você pode nos explicar um pouco mais sobre o que significa esse termo?
Ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de toda a vida enquanto que ecologia entendida de forma mais superficial, apenas busca recursos naturais para benefício da espécie humana. Assim como o racismo, sexismo e nacionalismo, existe um “especi-smo” no qual a espécie humana é considerada superior às demais espécies. Em ecologia profunda nós consideramos a espécie humana como sendo uma entre bilhões e trilhões de outras espécies, uma vez que estamos todos relacionados, estamos todos conectados. Esta total interdependência, este inter-relacionamento e essa interconexão são princípios fundamentais da ecologia profunda.

Quais são as mensagens-chave que você transmite aos líderes mundiais, tanto políticos como executivos?
Eu digo aos líderes mundiais que Economia é mais que dinheiro ou capital financeiro. A palavra “economia” é formada por duas palavras gregas “eco” e “nomos”. “Eco” significa a mãe Terra e “nomos” significa a sua gestão, portanto, eu pergunto aos líderes mundiais: vocês estão gerindo a mãe Terra ou estão gerindo somente o capital financeiro? A verdadeira riqueza não é representada pelo dinheiro, dinheiro é somente uma medida da riqueza. A verdadeira riqueza é constituída pela terra, animais, florestas, água limpa, a vida em comunidade e a inteligência humana. Se possuímos muito dinheiro, porém, o capital natural é extinto então quão boa é essa economia? É preciso entender o real significado de economia e gestão apropriada dos recursos para que todas as pessoas no momento presente e as futuras gerações possam criar um sistema que seja harmônico para todos os seres vivos.

Você está vindo para o Brasil na próxima semana. Que mensagem você gostaria de dar aos líderes brasileiros?
O Brasil é uma das economias emergentes e uma grande nação. Ao invés de repetir os erros das economias industrializas tais como EUA e Europa, o Brasil pode mostrar ao mundo um novo caminho, um caminho de harmonia e equilíbrio. O Brasil é abençoado com uma grande riqueza natural, florestas e terra boa. O cuidado com seus cidadãos e com sua riqueza natural são dois lados da mesma moeda. Portanto, não destruam seu capital natural em busca de capital financeiro.

O Schumacher College, o qual você é o fundador, é conhecido por seu método único de ensino e aprendizagem. Você poderia nos falar um pouco sobre o que faz esse instituto de ensino ser tão especial?
O Schumacher College é um centro de aprendizado transformador. Muito da educação que existe no mundo é baseada em informação enquanto o Schumacher College foca na informação acompanhada de transformação. Isto significa dizer que os estudantes do Schumacher College estudam ecologia ao mesmo tempo em que praticam atividades da vida diária como jardinagem, cozinhar e limpar. Toda semana os estudantes utilizam parte de seu tempo na natureza, uma vez que acreditamos ser a natureza um grande professor e que somente estando na natureza é possível que seja desenvolvido o amor e o respeito por ela. Schumacher College é um centro de aprendizado transdisciplinar no qual assumimos que tudo está conectado. Nossa abordagem é holística em vez de fragmentada.

Agora falando especificamente sobre as organizações, quais são os desafios enfrentados por elas hoje?
As corporações estão diante da questão da limitação de petróleo. Grande parte de nossa produção, transporte e distribuição é dependente do petróleo que está acabando e cujo preço está subindo. E, independentemente desse fato, o combustível fóssil contribui para o aquecimento global e a mudança climática. Portanto, um dos maiores desafios vislumbrados pelas corporações é encontrar fontes alternativas de energia. Sob meu ponto de vista, a energia nuclear não é a resposta, o material básico para produzir energia nuclear é o urânio que também é de oferta limitada. Além disso, não conhecemos todas as possíveis consequências do lixo nuclear. Portanto, aqueles que são líderes sábios precisam ver além e desenvolver tecnologias que sejam suportadas por energia natural.

Em relação ao trabalho, quais são as novas competências que as pessoas precisam desenvolver, dentro das organizações, para suportar este mundo em transformação?
Nos últimos 50 anos as organizações se basearam na crença da globalização e em ficarem cada vez maiores e maiores para maximizar os lucros. Para os próximos 50 anos o pêndulo está dando a volta e deverá ficar em algum lugar no meio, de maior equilíbrio. O famoso economista E F Schumacher escreveu “O Negócio é ser Pequeno” (ou “Small is Beautiful” no original em inglês), e muitos outros sábios economistas tem falado de economia local. Portanto, as organizações precisam desenvolver competências que as transformem em unidades pequenas com operações locais, buscando seus recursos localmente. Os recursos financeiros podem se mover globalmente, porém sem movimentar bens e serviços.

Qual é o papel da Educação em um mundo complexo e em transformação?
O sistema atual de ensino está preparando os jovens para encontrarem emprego. Na era da tecnologia e produção em massa os empregos estão rapidamente desaparecendo. Muitos países, ricos ou pobres, estão sofrendo uma grande onda de desemprego. A educação está se espalhando amplamente e se pessoas educadas procuram trabalho que está sendo cada vez mais executado por máquinas, de onde virão os empregos? O desafio da educação é promover a mudança de paradigma de emprego para um modo de vida em que os jovens devem estar aptos a serem criativos e a encontrarem seus caminhos de remuneração e sobrevivência a partir de seus próprios recursos.

Como um peregrino neste mundo, qual é a principal lição que você aprendeu?
Como um peregrino eu aprendi a deixar o meu ego e desenvolver um sentido de humildade e gratidão. Ego conduz à ganância enquanto que gratidão conduz ao relacionamento e à reciprocidade. Ego leva à separação enquanto gratidão leva à conectividade. Eu aprendi a ter menos ego e mais gratidão.

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